segunda-feira, 24 de maio de 2010

Intervenção do Presidente do Governo dos Açores no Dia da Região




Intervenção do Presidente do Governo dos Açores, Carlos César, na sessão solene comemorativa do Dia da Região Autónoma dos Açores, realizada na ilha do Corvo:

“Começo por agradecer a todos a presença amiga e estimulante nesta reunião açoriana. De forma especial, cumprimento a Senhora Ministra da Cultura, agradecendo, por seu intermédio, a decisão do Senhor Primeiro- Ministro de se fazer representar em mais esta Sessão. Cumprimento o Senhor Representante da República e as demais autoridades com as quais os órgãos autonómicos convivem na afirmação cooperativa das suas competências e atribuições constitucionais e estatutárias. Agradeço aos corvinos e, de forma mais saliente, aos mais jovens, o seu envolvimento no programa de comemorações e nesta sessão em particular.

Digo sempre assim: “É Segunda-Feira do Espírito Santo – Dia de Primavera Açoriana, que celebra a Autonomia da nossa Vida e a Autonomia da nossa Esperança”.

Chegou, pois, o Dia dos Açores. Chegou o dia que separámos do “mar chocalhado” das nossas controvérsias, para, todos juntos, evocarmos todos os nossos dias a uma só voz. Saúdo todos os açorianos e organizações que, em outras ilhas e países, neste momento, evocam igualmente esta efeméride, numa simbiose de apego às raízes, de brio e de contentamento.

Escolha acertada – a do legislador, em 1980 – que pretendeu associar o património secular e incorporal da mais impregnada manifestação de fé açoriana, que se forjou na reunião perante os temores e na solidariedade perante as necessidades, ao justo panegírico que os açorianos e a sua história merecem. Essa invocação do Espírito Santo, símbolo de pertença colectiva, coincidindo com a meditação proposta para o Dia dos Açores, oferta-nos garantia de coesão e de harmonia, e ajuda a substanciar a confiança que depositamos nas nossas capacidades de vencermos no presente e de rascunharmos as nossas utopias, bem como de o fazermos de geração em geração.

Por isso estamos, uma vez mais, nesta data, reunidos a celebrar as nossas ambições e as nossas similitudes, no “ar livre” da Autonomia Política que a Democracia nos proporciona; e fazemo-lo, justamente, no Dia em que o que mais nos interessa é mesmo a Autonomia e o que mais releva é saber-se que todos nós, de diferentes origens e condições, convicções religiosas ou partidárias, queremos ser insuperáveis na salvaguarda desse poder de liberdade e de autodeterminação.

É Povo Açoriano a razão de ser da nossa Autonomia Política e é, por essa razão, Ele, o fundador e a medida do seu exercício: em todas as épocas, em todos os lugares, em todas as gestas empreendedoras e em todos as assembleias. É esta lembrança que informa este Dia.

Instituído em 1980, foi só a partir de 1997 que começámos a assinalar o Dia dos Açores através de uma Sessão Solene evocativa como esta e, só a partir de 2007, a homenagear os nossos concidadãos, outras personalidades e instituições que se distinguiram, dentro e fora da nossa Região, honrando os Açores – fossem ou sejam eles reis ou presidentes da república, ricos ou pobres, eruditos ou iletrados. O que importa, mesmo, é que façam ou possam fazer parte prestigiadamente da História da terra que servimos.

De novo, este ano, fazemos justiça a muitos na atribuição das Insígnias Honoríficas Açorianas, mas ficará apenas atenuada a injustiça que perdura face aos muitos que as merecem e aos quais ainda não foram impostas. Saúdo, assim, em nome do Governo, todos os agraciados, cumprimentando-os pelo seu trabalho ou pela sua conduta exemplares. Saúdo, ainda, a memória, que nos é grata, dos condecorados a título póstumo. Só quem respeita a sua História é digno do seu presente!

Já realizámos em todas as nossas ilhas estas comemorações do Dia da Região Autónoma dos Açores. Fomos já ter com os Açorianos da costa leste dos Estados Unidos e da grande cidade de Toronto em manifestações, ambas inesquecíveis, de exaltação emotiva e de açorianidade – é que, estou convencido, é difícil ter os Açores tão perto do coração como o têm os nossos irmãos que estão mais longe. É por isso que a saudade não os mata; é por isso que a saudade lhes dá mais sentido à vida. É por isso que quem me dera fosse possível ir fazer o Dia dos Açores sempre por esse mundo fora, onde estão dezenas de milhares de açorianos ansiosos por este abraço.

Este ano, finalmente e pela primeira vez, centralizámos a nossa festa nesta ilha do Corvo, no povoado que tem por trás “o monte severo”, elevado a vila pelo Príncipe Regente D. Pedro IV e desembaraçado da jurisdição de Santa Cruz das Flores, “onde entra o jorro que sabe a mar e a que se mistura o cheiro bravo do monte”.

Como ainda disse Raul Brandão, “ o Corvo não tem peso no mundo, mas nunca senti como aqui a realidade e o peso do tempo”. Assim foi e assim é: longe, como o tempo, estão, felizmente, os sentenciosos vaticínios sobre o Corvo como improbabilidade da geografia humana, e para trás ficou o povo escravizado pelas rendas do donatário da ilha. O Corvo é, permitam-me enfatizá-lo assim, na nossa contemporaneidade, uma terra do nosso tempo.

Como também por todos os Açores, nada foi nem é fácil no Corvo. Foram-se os corsários ingleses e os piratas da barbárie; já não se come o pão negro nem se perscruta na cova da junça; e a Lenda do alazão, apontando o Novo Mundo como caminho da sobrevivência, deixou de fazer sentido face ao progresso alcançado. Porém, aqui ficámos e aqui estamos sempre com a necessidade e a justa ambição de ter melhor. Como dizia Torga, “(…)Não descanses./De nenhum fruto queiras só metade./E,/nunca saciado,/Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar(…)”.

Temos todos de trabalhar para isso nos Açores. É que, raramente, o que é trabalho de outros é fruto que nos seja oferecido. Há um episódio paradigmático da História do Corvo que bem exemplifica como não devemos depender da boa vontade e do trabalho de terceiros. Mouzinho da Silveira, o grande legislador do constitucionalismo liberal disse dos corvinos que “gente mais grata no mundo não há!”. Tudo porque gente desta terra se meteu ao mar, em frágil batel, buscando-o de ilha em ilha até o encontrar para lhe ir agradecer a sua libertação das pesadas corveias que sobre eles impendiam. Mouzinho ficou profundamente emocionado. E manifestou, no seu testamento, a vontade de ser sepultado no Corvo. Assim seria, excepto se não quisesse o seu testamenteiro “carregar com esta trabalheira”. Não quis, é claro!... E claro é que, como no caso do testamenteiro de Mouzinho, muito poucos, de fora, se dão ao trabalho… Como tenho dito, contemos, pois, sobretudo, connosco.

Conta-se que há pouco mais de um século o Governador Civil do Distrito da Horta, visitando o Corvo, procurou saber dos desejos dos seus habitantes. Ter-lhe-á sido respondido, certamente por alguma autoridade local, que necessitavam de uma bandeira nacional para saudar os viajantes que os bordejassem. Penso que logo a tiveram, mas agora a diferença é que temos a seu lado outra bandeira, a nossa, que não pedimos porque conquistámos, e que por isso representa a nossa ambição de voar por conta própria, como num sonho dourado, inteiro e limpo como no branco primordial e infinito no azul estendido onde prolongamos o nosso olhar. Encimam-nos ainda as estrelas incertas da Europa. São essas as sínteses das nossas condições: aquiescemos que aqui é Portugal – lembramos mesmo, amiudadamente, aos continentalistas, que assim é – mas queremos mais: sempre muito mais do que temos tido e sido como europeus do Atlântico.

Na verdade, os Açores são marco distintivo e alicerce da portugalidade: somos com que um arcobotante da sua melhor qualidade e da sua melhor dimensão, guardando em nós o espírito e a herança da vontade forte dos nossos avós do século XV.

Agora, quando se realça o Centenário da República, rememoramos os açorianos que foram os dois primeiros presidentes da República e a sua acção preponderante na iniciação e consolidação do novo regime; e também agora, que tanto importa a dimensão, lembramos o nosso papel na novíssima expansão portuguesa com o reconhecimento internacional, em apreciação nas Nações Unidas, da extensão da plataforma continental portuguesa por ligação à zona económica exclusiva açoriana.

É por causa de nós que o nosso País, o centésimo primeiro em dimensão territorial, é o oitavo no Mundo, o segundo na Europa e o primeiro na União Europeia em área marítima exclusiva. É por causa de nós que a Portugal cabe a maior responsabilidade europeia no controlo do espaço aéreo e da segurança e salvamento marítimo. É por causa de nós – que neste momento nos encontramos, aqui na ilha do Corvo, sobre a placa tectónica americana V que a República Portuguesa é o lugar geométrico da Relação Transatlântica. É aqui, como a História já o confirmou múltiplas vezes, que nunca se desiste.

Foi um açoriano, quem o disse: “O português está destinado a viver sempre. Se não, que visse eu o feitio deste povo. Nos cataclismos, não se rende. Nas aflições, não perece. O filho de português, fora de Portugal, aumenta de resistência”. Estas palavras são de um açoriano historicamente reconhecido como um dos maiores portugueses: falo de Teófilo Braga, por duas vezes Presidente em exercício da República Portuguesa.

Foi Teófilo, o voluntarista da transformação política institucional, quem foi, também, capaz de escrever: “São um perigo as intervenções reformadoras sem conhecimento das origens venerandas, cuja tradição não deve ser apagada”. Ora, nós açorianos, temos uma tradição já multissecular: a da nossa Autonomia. A sua origem é veneranda, a sua tradição é um sério aviso aos centralistas. É isso que reafirmamos neste Dia dos Açores. Firmes, como nos é próprio!

Neste ano do Centenário da República Portuguesa, lembramos, pois, com legitimidade e orgulho, os nossos Presidentes: a Teófilo Braga é penhorado o carácter determinante da sua acção doutrinária para a consolidação do ideário republicano; a Manuel de Arriaga é reconhecido o carácter democrático e não jacobino do seu pensamento político e da sua magistratura presidencial.

Arriaga levou uma vida inteira, até ser Presidente, aos 71 anos, a lutar pela liberdade de consciência, de reunião, de expressão e de associação, sendo uma das suas ideias mais dilectas, a que titula justamente uma das suas obras: a “Harmonia Social”. Ainda há poucos dias essa ideia voltou a ser convocada, como bem sabe a nossa conterrânea de coração Ministra da Cultura, aqui presente, pelo Conselho Internacional dos Museus, no seu dia comemorativo, com extrema actualidade face à crise económica e de emprego que atravessamos, prescrevendo-se “a criação de pontes e de articulações e a afinação de programas que contribuam para a coesão e harmonia social”. Essa preocupação, vinda donde veio, faz, aliás, prova de que a Cultura é o bom fundamento da boa Política.

E bem precisamos neste tempo delas: de uma Cultura de modernidade e de solidariedade e de uma Política de autenticidade. Carecemos delas, em Portugal como por toda a parte, onde as incertezas e os sofrimentos se disseminam, pois a crise, atente-se bem, não é só portuguesa e muito menos açoriana: a crise atinge lugares onde vive gente do nosso sangue, em Fall River, onde o desemprego chega aos 16%, em New Bedford, onde beira os 14, em Providence e em S. José da Califórnia, onde fica bem acima dos 12%, em Toronto, onde já subiu para os 10%, o mesmo valor que atinge, neste momento, a taxa média de desemprego na União Europeia; ou em regiões ultraperiféricas europeias como a nossa, onde encontramos taxas de desemprego superiores a 20%, ou, ainda, como nas Canárias, nossa vizinha atlântica, em que os últimos dados confirmam que perto de 28% da população está desempregada, ou seja, quatro vezes mais do que nos Açores.

Beneficiámos, nesta última década, de um desenvolvimento extraordinário nos Açores, que mudou a face das nossas ilhas, abriu novos horizontes e confirmou novas oportunidades. Todos o reconhecem e especialmente os nossos emigrantes que nos visitam mais espaçadamente. Felizmente, alicerçámos esse crescimento numa política responsável de controlo dos nossos recursos financeiros, sem comprometer as necessidades que agora temos no presente e as possibilidades das gerações que cá viverão no futuro. Vivemos, presentemente, um período de contrariedades vindas do exterior, que nos atingem lesando empresas e afectando negativamente negócios e rendimentos. Há famílias que empobreceram atingidas pela falta de emprego, mas a Região continua a demonstrar capacidades de as ajudar, tal como o tem feito em relação a muitas empresas e empregadores.

Não são simples, todavia, nem apanágio de pregadores de ocasião, os remédios para tão aflitivos problemas. Entre nós há sempre quem pareça tudo saber, especialmente sobre o que não se sabe por esse Mundo fora; quem diga tudo resolver, nomeadamente o que não está resolvido nos outros lugares; e quem aparente oferecer tudo o que já escasseia em toda a parte. Porém, entre nós, o que é certo e seguro é que resistimos melhor, porque tínhamos a nossa economia mais segura, porque resguardámos meios para compensar as dificuldades e porque conservámos margens para continuar a lutar, a recuperar e a ajudar quem precisa.

As famílias açorianas, os cidadãos, a juventude, os empresários e todas as instituições empreendedoras devem ter confiança no futuro: a narrativa da Autonomia demonstrou que somos capazes de suplantar as dificuldades, sejam elas as decorrentes das peculiaridades da Natureza, das contingências da História ou das falhas da economia.

Nos últimos dois anos assistimos, no mundo, ao desmoronar da solidez do sistema financeiro internacional. Esta degradação, iniciada nos Estados Unidos e que rapidamente se expandiu a todas as economias de mercado, exigiu aos governos o reforço da sua participação activa na economia, através do aumento do apoio às empresas privadas e do investimento público, bem como a adopção de novos mecanismos de apoio e protecção social. Ao mesmo tempo, diminuíram as receitas dos estados, em função dessa recessão económica. Dessa conjugação sucessiva resultou um desequilíbrio orçamental generalizado, que gerou necessidades de financiamento dos Estados nos mercados financeiros internacionais, endividando os países tal como está a acontecer com Portugal face ao exterior, ou como acontece com vários e outrora mais poderosos Estados europeus. Por fim, foram os próprios bancos que perderam capacidade de alavancar economias e acomodar políticas públicas expansionistas. São muitos os países envolvidos nessas condições negativas, as quais, evidentemente, também nos atingem, ainda que com intensidade felizmente inferior.

Tomam-se, por isso, em toda a parte, medidas drásticas de redução da despesa dos governos, semelhantes em quase todos os países, as quais, evidentemente, alteram paradigmas anteriores, afectam direitos e garantias, intranquilizam pessoas e lesam famílias nas suas vidas ou nas suas expectativas. O que se espera, pelo menos, em Portugal, é que essas medidas sobrecarreguem menos os que menos têm e não desprotejam os que mais precisam. Nos Açores, continuaremos a cuidar para reduzir ao mínimo tais situações negativas e a salvaguardar o modo de vida das nossas ilhas.

Confiamos muito no regresso à normalidade e ao ritmo de crescimento que estava a acontecer nos Açores antes do eclodir desta crise internacional. Entretanto, há ainda muitas empresas para salvar e muitas famílias para ajudar. Continuaremos a fazê-lo, com firmeza e discernimento, tomando também medidas que induzem a reanimação e lançando investimentos, como o estamos a fazer neste segundo trimestre, que serão certamente geradores de empregos.

Em todos os momentos teremos, contudo, que continuar a acautelar as finanças da Região, para não gerarmos incapacidades comprometedoras e de forma a salvaguardarmos os meios necessários à atenuação das dificuldades das pessoas e da economia regional. Tudo isso implica maior cuidado do que nunca na aplicação dos dinheiros públicos. É assim que prosseguiremos, não deixando, no entanto, de, ouvindo quem protesta, bem como quem propõe, melhorar continuamente o rumo que estamos a seguir.

Sabemos que necessitamos de ser mais competitivos e que isso acarreta maior qualidade na detecção das prioridades de aplicação dos recursos públicos, uma maior rapidez na superação das nossas limitações e desvantagens, um maior aproveitamento das nossas potencialidades endógenas, uma maior qualificação da nossa produção, uma maior exigência na produtividade dos apoios atribuídos, uma melhor eficiência das nossas redes de infra-estruturas e uma maior dinâmica na captação de novos mercados externos e na exploração discernida dos seus circuitos de distribuição. Sabemos que as famílias e as pessoas terão que corresponder melhor aos apoios sociais de que são beneficiárias, ganhando autonomia e comprometimento.

Em suma, sabemos todos o que é possível fazer e o que devemos fazer. Ajudemo-nos, então, uns aos outros, um pouco mais, para vencer. Dirijo, assim, uma palavra de ânimo aos que atravessam dificuldades e um apelo à responsabilidade empreendedora dos que podem fazer mais pelos Açores.

Mais do que nunca, o caminho está traçado pelo nosso Hino: “Para a frente! Lutar, batalhar!”.

Tenho a certeza que nunca há-de faltar uma razão para que não se pense e não se diga: Que bom é ser Açoriano!

Viva os Açores.”


GaCS/CT

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