quinta-feira, 27 de maio de 2010

Intervenção do Secretário Regional da Presidência



Texto integral da intervenção do Secretário Regional da Presidência, André Bradford, proferida hoje, em Bruxelas, na sessão de abertura do I Fórum da Ultraperiferia Europeia:

“Permitam-me que comece por, em nome do Presidente do Governo dos Açores, saudar a organização e elogiar a realização deste primeiro Fórum da Ultraperiferia Europeia, na pessoa do Senhor Comissário Europeu responsável pela Política Regional, Johannes Hahn.

Gostaria também de cumprimentar o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Europeus do Governo de Espanha, Diego López Garrido, e, por seu intermédio, a Presidência Espanhola da União Europeia, que em boa hora associou este importante evento ao programa da sua presidência semestral, como mais uma manifestação da atenção e do impulso quem tem dado às questões relativas às regiões ultraperiféricas, na sequência, aliás, do que já havia acontecido, em 2007 e 2008, com as presidências, de Portugal e de França, respectivamente, a cujos representantes gostaria igualmente de dirigir uma saudação particular.

Ao senhor Comissário Michel Barnier, profundo conhecedor da realidade das nossas regiões, dirijo também uma palavra particular de satisfação pela sua presença, na certeza de que constitui também um sinal de que a tomada em conta da realidade das RUP é transversal a todas as áreas de intervenção da Comissão e de que, como tal, a plena integração no mercado interno será, também, e além de uma das finalidades últimas da actuação da União, objecto central dos debates deste seminário.

Aos Senhores Deputados ao Parlamento Europeu expresso o nosso reconhecimento pela importância da sua participação, intensificada, em larga medida, pelo reforço de poderes desta instituição, com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa.

A todos os participantes, representantes das instituições, dos Estados-membros e das regiões europeias, bem como das diversas organizações que testemunham o pulsar da actividade sócio-económica das nossas regiões, deixo aqui expresso o nosso contentamento pela presença de um tão elevado número de pessoas, certamente um primeiro sucesso da organização, que atesta, desde logo, a importância deste evento.

A realização do presente Fórum decorre, como sabemos, do compromisso que a Comissão Europeia assumiu, em 2008, na sua comunicação intitulada “As regiões ultraperiféricas: um trunfo para a Europa”, e consagra, precisamente, uma proposta do Governo dos Açores, apresentada na conferência “O Futuro da Estratégia Europeia para as RUP”, que decorreu, nesse mesmo ano, em Bruxelas. Daí que sintamos também uma particular satisfação por vermos a ideia posta em prática, de forma tão satisfatória.

Ao abordarmos a estratégia para as RUP na perspectiva 20/20 é, em primeiro lugar, necessário termos sempre presente que, face aos imensos desafios que se colocam à União Europeia, a adopção de medidas e de um tratamento específico para as Regiões Ultraperiféricas é, acima de tudo, um imperativo de cumprimento dos normativos fundamentais da União, muito em particular, do artigo 349º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Na futura Política Regional, na revisão do orçamento da União e nas perspectivas financeiras pós-2013 ou ainda, por exemplo, no âmbito da estratégia UE 20/20, mais do que meras palavras proclamatórias, urge prever e concretizar um regime específico, transversal e coerente, de compensação pela conjugação única e estrutural dos condicionalismos que tanto dificultam o nosso processo de desenvolvimento e nos tornam mais frágeis que outras regiões, é certo, mas também de aproveitamento e rentabilização das nossas potencialidades, ao serviço das nossas populações e do projecto europeu que todos abraçamos sem reservas.

É, por isso, necessária uma visão global, que atribua uma lógica de conjunto e unidade sistémica às acções a desenvolver, com particular atenção à articulação e coerência entre políticas sectoriais, igualmente fundamentais, como a política comum das pescas e a política marítima, a política agrícola ou as medidas de combate às alterações climáticas, para mencionarmos apenas algumas das que nos dizem directamente respeito.

Neste contexto, o respeito pelo princípio da subsidiariedade, reforçado no Tratado de Lisboa, e, consequentemente, pelas legítimas opções dos órgãos de governo próprio, bem como a sua auscultação e o trabalho em parceria, assumem-se também como vectores essenciais ao sucesso de uma estratégia renovada de relacionamento em prol das RUP.

Do ponto de vista das nossas regiões, os memorandos assinados em Las Palmas – entre as RUP, em Outubro de 2009, e entre os Estados-Membros e as RUP, no corrente mês de Maio - indicam claramente o caminho a seguir: conceder prioridade às vantagens endógenas e às potencialidades de cada região como factores de crescimento sustentável, agregando uma aposta fundamental em novos sectores estratégicos em paralelo com medidas de compensação e de justiça, que permitam apoiar os sectores tradicionais das nossas economias.

O grande desafio é pois, agora, o de concretizarmos a anunciada “mudança de paradigma” através de políticas que, efectivamente, se convertam em factores reais de desenvolvimento económico, na certeza de que às populações das RUP devem ser garantidas iguais oportunidades de acesso e de fruição das vantagens e benefícios comuns da União.

Este princípio de igualdade é, aliás, o cerne da coesão económica, social e, agora, territorial da União Europeia, objectivo fundamental da sua existência e que, em relação às RUP, se deve consubstanciar em medidas que tenham particularmente em conta e compensem as dificuldades de acessibilidade quer no plano dos transportes, quer no âmbito do mercado comum, quer ainda no que diz respeito às áreas da investigação e inovação, essenciais à competitividade das economias contemporâneas.

Para a sua plena consagração é necessário que a Comissão Europeia estabeleça regras claras e inequívocas de análise prévia e sistemática dos impactos das várias políticas europeias nas regiões ultraperiféricas, reforçando, em simultâneo, a parceria e articulação necessárias com o Parlamento Europeu, com os Estados-membros e, acima de tudo, com as regiões.

É necessário também um maior e melhor conhecimento da realidade das regiões ultraperiféricas, passo essencial para que não se prejudiquem, através de políticas gerais da União, o esforço de desenvolvimento dessas regiões em áreas reconhecidas como fundamentais, como são, no nosso caso concreto, os sectores da agricultura ou das pescas.

A nossa excepcionalidade não significa apenas que mereçamos a consagração de um artigo específico nos Tratados. A nossa diferença significa que justificamos um tratamento diferente para que possamos ser iguais aos restantes europeus.

Numa economia que dista 1500 quilómetros da capital do seu próprio país e mercado de referência; que se fragmenta em nove mercados de reduzida dimensão, cujo mais pequeno tem 400 consumidores; que se estende por 600 quilómetros em pleno Oceano Atlântico; e que, mesmo assim, é responsável por cerca de 30% da produção leiteira de Portugal e está na base da maior Zona Económica Exclusiva da União Europeia – numa economia com estas características, dizíamos nós, falar de mercado único, liberalização total e redução de apoios como se fala quando se pensa em Paris, em Berlim ou em Bruxelas, é não só desajustado tecnicamente como injusto politicamente.

Por outro lado, a atenção à realidade ultraperiférica implica igualmente o reconhecimento e a salvaguarda da acção do nível de poder regional, nomeadamente em políticas que, do nosso ponto de vista, constituem um exemplo para toda a Europa.

Nos Açores, este será o caso do compromisso que assumimos com um modelo de desenvolvimento sustentável, atribuindo prioridade a áreas como a da preservação dos recursos do mar e da qualidade da produção agrícola, e consequente valorização das produções tradicionais, da protecção ambiental e do turismo de natureza, da investigação sobre os mares profundos, da biotecnologia, da utilização de tecnologias espaciais e das energias de fonte renovável, entre outras.

A União Europeia deve, na verdade, não só apoiar o particular esforço que é feito nessas regiões para o fomento destes sectores estratégicos, como também, no que é essencial, não dificultar ou anular, ainda que sem o pretender, o que de estimulante se faz ou procura fazer nas RUP neste contexto.

É por isso que consideramos que a União Europeia deve, por exemplo, corrigir as suas políticas relativas ao mar, reintroduzindo a área de protecção do mar dos Açores, reconhecendo os benefícios e possibilitando uma gestão de proximidade, descentralizada e ambientalmente responsável do esforço de pescas.

Do mesmo modo, a União Europeia deve também – e para citar apenas mais um exemplo, no interesse da economia da nossa intervenção – não só reconhecer a qualidade e relevância dos sectores primários e tradicionais das nossas economias, como também reforçar a promoção da sua competitividade e a protecção dos rendimentos dos produtores, muito em especial, na perspectiva da desregulação do sector leiteiro, medida que terá grande impacto no tecido produtivo dos Açores.

Se é verdade que a União reconhece que as RUP têm uma conjugação única, estrutural e permanente de condicionalismos e que, por isso, deve permitir-se o desenvolvimento das áreas da economia em que têm especial vocação e condições naturais de especialização, sem que existam grandes alternativas, não é menos verdade que um tal objectivo só será viável e eficazmente prosseguido se houver um esforço muito determinado e sem reservas teóricas ou doutrinárias na defesa da nossa especificidade e na promoção das nossas vantagens competitivas e aptidões particulares.

Sabemos claramente como nos definimos enquanto região ultraperiférica. Não somos apenas uma região de pequena escala, distante e fragmentada. Somos também, orgulhosamente, uma região de vocação agrícola e de profundo relacionamento com o mar, consciente das suas potencialidades naturais e ambientais, veículo de projecção transatlântica dos interesses da Europa, por força das ligações geográficas, culturais, históricas e afectivas que mantemos com territórios da outra margem do Atlântico, e factor de afirmação e de integração do nosso continente no mundo.

É da conjugação destas características que resulta o valor acrescentado que trazemos ao projecto europeu e que, em nosso entender, justifica uma acção coordenada da União em favor dos nossos anseios específicos.

Termino fazendo votos para que estes dois dias de trabalho constituam uma oportunidade bem-sucedida para a afirmação da nossa realidade e da pertinência dos nossos argumentos.

Estamos certos de que assim será e manifestamos toda a nossa disponibilidade para colaborar neste sentido, pois só através do conhecimento e debate, com a necessária abertura e acolhimento por parte das instituições, poderemos efectivamente dar passos seguros na estruturação de uma estratégia verdadeiramente coerente e eficaz.”



GaCS/LFC

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