sexta-feira, 27 de abril de 2012

Intervenção do Presidente do Governo no III Fórum Açoriano Franklin D. Roosevelt


Texto integral da intervenção do Presidente do Governo, Carlos César, proferida hoje, na Horta, na sessão de abertura do III Fórum Açoriano Franklin D. Roosevelt “O Mar na Perspectiva da História, da Estratégia e da Ciência":


“Começo por registar, saudando a presença de todos, a qualidade e a importância acrescidas que o Fórum Açoriano Franklin Delano Roosevelt apresenta no contributo para a reflexão estratégica sobre a relação transatlântica, considerada, desta vez, através de um dos elementos estruturais dessa união – o Mar.

Fico muito satisfeito, assim, pelos resultados desta parceria do Governo dos Açores com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, que felicito na pessoa da sua presidente, Maria de Lourdes Rodrigues, e do nosso conterrâneo Mário Mesquita, bem como de Charles Buchanan, pois este Fórum está cada vez mais consolidado como um espaço privilegiado da reflexão nacional e internacional sobre estas temáticas e como um evento relevante sobre o estado atual e futuro da relação bilateral entre Portugal e os EUA e do papel estratégico dessa aliança no espaço político e institucional do Atlântico e nos diversos contextos geoestratégicos mundiais.

Através de realizações como a deste encontro, em que os Açores são referência incontornável, a FLAD dá conteúdo aos seus fundamentos constitutivos e dá a devida ênfase ao principal fator de fortalecimento da cooperação concreta entre Portugal e os Estados Unidos, bem como ao espírito decorrente do Acordo de Cooperação e Defesa entre os dois países que está atualmente em vigor.

Será certamente uma irónica coincidência que desde o início desta realização bienal, que é o Fórum Açoriano Franklin Roosevelt, tenhamos experienciado tantas analogias com o contexto económico, financeiro e social vivido pelo grande estadista americano durante uma grande parte do seu mandato e, em particular, durante a vigência da sua primeira administração. Nesse sentido, Roosevelt tornou-se não apenas o patrono nominal deste encontro, como também uma inspiração para os seus trabalhos e para as suas conclusões.

Submetidos, em Portugal, às consequências de uma crise financeira internacional – surgida de forma mais abrupta em 2008 em virtude de más práticas bancárias e fiduciárias especulativas, e rapidamente transformada em crise das dívidas soberanas com dimensões económicas e sociais ainda imponderadas em vários países europeus –, olhamos para o legado de Roosevelt com o sentimento e a perceção de que o passado e a forma como neles os acontecimentos e as orientações se processaram não são dissociáveis do momento e dos desafios do presente.

A grande depressão económica dos anos 30, os elevados níveis de desemprego por ela gerados e a capacidade inovadora e transformadora das políticas do New Deal têm estado, desde o início deste pesado ciclo de contração económica e declínio social na Europa, em reexame por parte dos diferentes quadrantes políticos e de opinião, em busca das respostas para superar as dificuldades, suprir as necessidades dos cidadãos e alavancar uma nova época de desenvolvimento.

A aceleração da integração económica e comercial mundial, que desde então se viveu, alterou profundamente a capacidade e a autonomia de intervenção de cada Estado, os quais, isoladamente, teriam agora pouca eficácia. Porém, ainda que a outro nível de envolvimento – como, por exemplo, ao nível da União Europeia –, será necessário agir com mais vigor e muitas das grandes opções que têm de ser tomadas encontrariam, de certeza, melhores condições de sucesso e sustentabilidade se procurassem referências como as que Roosevelt, em 1936, aludia ao advertir que equilibrar o nosso orçamento no pico do desemprego e da grande depressão “teria sido um crime contra o povo americano”. “Para fazê-lo” – dizia – teríamos de solicitar uma contribuição à população “que teria sido confiscatória, ou teríamos de virar a nossa cara com indiferença ao sofrimento humano”. “ A Humanidade veio primeiro”, reiterou Roosevelt, quando, simultaneamente, recusou a “redução acentuada ou a eliminação das funções de governo” em troca de “um equilíbrio imediato do orçamento”, apelando vigorosamente à proteção da cidadania.

São convicções e apelos de impressionante atualidade na conjuntura portuguesa e europeia difícil que atravessamos, e que também convocam uma ação concertada da comunidade internacional por forma a regular o livre arbítrio e a imoralidade das chamadas forças de mercado, que deterioram as democracias, a justiça, a transparência e a verdade nas relações económicas, esmagando empreendedores e consumidores e chantageando países, governos e instituições legítimas, afetando gravemente a estabilidade internacional.

Roosevelt permanece, pois, como um indispensável “aviso à navegação” nos mares atribulados em que seguimos.

Desta vez, o Fórum Roosevelt apela a uma reflexão mais aturada sobre o Mar enquanto elemento central do relacionamento euro-americano. É uma reflexão necessária e atual e, claro, muito associada à condição natural de sempre dos Açores.

O Mar é a verdadeira casa de todos os Açorianos. É onde estamos e é também o lugar de onde vemos o mundo.

O contexto geográfico destas ilhas colocou-nos no centro de múltiplas problemáticas relacionadas com o mar desde a nossa descoberta e povoamento. Fomos porto de abrigo nos primórdios da navegação transcontinental, palco dos primeiros passos da investigação oceanográfica internacional, através das explorações científicas conduzidas pelo Príncipe Alberto I do Mónaco, e elo de ligação entre a Europa e a América do Norte, nas comunicações, nos transportes e na indústria baleeira e mercante. Aqui, onde estamos, na baía da Horta, os Açores serviram e ainda servem como ancoradouro a inúmeros marinheiros, investigadores e cientistas.

A renovada importância dada, na Europa e no mundo, às questões do Mar enquanto nova fronteira do desenvolvimento reforçam hoje essa centralidade.

Os Açores são o mais extenso dos arquipélagos atlânticos, um conjunto de ilhas verdadeiramente oceânicas que se estende por mais de 610 km entre a sua ilha mais oriental, Santa Maria, e as ilhas das Flores e do Corvo. Essa dispersão proporciona aos Açores uma das maiores zonas económicas marítimas da União Europeia, com cerca de um milhão de quilómetros quadrados de águas, ricas e bem conservadas, no coração do Atlântico.

Acrescentando a esse imenso espaço a área de fundos oceânicos – que, nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, celebrada em Montego Bay, Jamaica, em 1982, e agora em vias de implementação, pode ser considerada como extensão da plataforma continental em torno dos Açores –, atingimos uma área de cerca de três milhões de quilómetros quadrados. É uma nova dimensão que se reporta às nossas ilhas, à República Portuguesa e à própria União Europeia.

Mas não é apenas a dimensão territorial que releva: os Açores são um arquipélago transcontinental, assente sobre os limites de três placas tectónicas, com ilhas claramente internadas nos lados europeu e americano da Crista Média do Atlântico. A singularidade desse enquadramento tectónico, que simultaneamente explica a própria existência das nossas ilhas e a sua geologia, também determina as especiais características dos mares e dos fundos oceânicos que nos rodeiam. Desse complexo jogo entre as forças fundamentais da tectónica e da circulação atlântica, nasceu uma das zonas mais diversificadas do Atlântico Norte, onde se localiza um dos mais valiosos acervos de recursos vivos e de recursos minerais e energéticos desta vasta zona do planeta.

A diferenciação de ambientes geológicos e oceanográficos que ocorre em torno das nossas ilhas e, subsequentemente, de ecossistemas marinhos, inclui habitats em condições extremas, como são exemplo as fontes hidrotermais de profundidade. Dessa extraordinária variedade de ambientes resultou uma biodiversidade única, hoje já explorada pelo sector das pescas, mas com um potencial que se estende muito para além dessa função económica tradicional. Embora a actividade pesqueira, se bem regulada e com os recursos justa e sustentavelmente repartidos pelos diversos stakeholders do sector, especialmente quando associada à aquacultura, ainda guarde um assinalável potencial de crescimento e de valorização, o desenvolvimento na área da biotecnologia, – onde um novo sector, o da biotecnologia azul, se afirma cada vez mais –, abre novos horizontes na gestão e aproveitamento dos recursos vivos marinhos, agora também encarados como valiosos recursos genómicos.

Para além do recurso geotérmico que já aproveitamos na ilha de São Miguel e queremos aproveitar na ilha Terceira, o nosso mar é rico em energia do vento e em energia das ondas, cujo potencial a evolução da tecnologia certamente tornará aproveitável dentro de uma geração.

Mas uma riqueza ainda maior encontra-se nos fundos oceânicos que nos rodeiam, fruto do funcionamento ao longo de milhões de anos das fontes hidrotermais e dos processos de deposição oceânica. Falo da presença de sulfuretos polimetálicos, com uma riqueza em cobre (um dos mais cobiçados metais da atualidade) que é mais de uma dezena de vezes superior à dos melhores minerados em terra, a que acrescem concentrações muito interessantes, e nalguns casos únicas, de muitos outros metais de grande valor comercial.

No Mar dos Açores essa riqueza é potenciada pelas profundidades moderadas ao longo da Crista Média Atlântica e pelas facilidades logísticas conferidas pela proximidade dos nossos portos, o que valoriza o nosso território para importantes operações de extração mineral. Há, ainda, que ter em conta a existência de importantes jazidas de hidratos de metano nas zonas abissais que nos rodeiam, uma potencial fonte de energia para o futuro.

É nosso direito legítimo, e é do nosso interesse, evidentemente, que o acesso partilhado aos recursos minerais dos fundos marinhos e ao potencial energético do nosso mar deva ser precedido pela criação de condições que permitam a sua exploração sustentável, o seu aproveitamento em benefício também da economia açoriana e o desenvolvimento da nossa capacidade científica e tecnológica.
É já claro que os fundos marinhos em torno dos Açores são, de forma crescente, alvo de importantes interesses económicos e políticos. Essas pretensões são compreensíveis, por todas as razões já referidas, mas compete-nos – em consonância com o ordenamento constitucional, estatutário e legal do país e da região – acautelar o que não pode deixar de ser acautelado para poder ser partilhado.

É isso que temos feito e que importa continuar a fazer, assumindo as competências e positivando-as no direito regional. Também já regulámos matérias tão diversas como a arqueologia subaquática, o regime jurídico de regulação da amostragem científica, o mesmo fazendo em áreas como a extração de inertes em torno das nossas ilhas, na regulação das zonas balneares e no planeamento da zona costeira, na gestão do domínio público marinho e na legitimação da nossa intervenção na sua delimitação e administração.

Também em matéria de pescas assumimos as competências que nos cabem, regulando áreas como o licenciamento, a fiscalização ou o regime contra-ordenacional em matéria pesqueira, trazendo para a ordem regional as competências que constitucional e estatutariamente devem estar incorporadas no âmbito autonómico.
A recente criação do Parque Marinho dos Açores, com o seu pioneirismo na definição de um regime concreto de proteção ambiental na região oceânica, colocando-nos na primeira linha da criação de áreas marinhas protegidas no mar alto e na sua gestão, foi igualmente uma importante aquisição reguladora.

A Região Autónoma dos Açores, com o apoio científico que lhe é induzido pelo trabalho do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, assume-se, assim, como pretendendo, e não abdicando, de salientar a sua condição influente nas questões de políticas do mar que lhe são envolventes e criando condições para que os Açores estejam na linha da frente do estudo dos mares e das novas ciências azuis. O Governo dos Açores assume o mar como um dos seus comprometimentos inalienáveis e como um compromisso plurigeracional. O sucesso açoriano no mar ou, se preferirmos, da função do “mar açoriano”, deve ser – e é, com certeza – um dos pilares da política portuguesa para o sector. O meu governo comunga com as autoridades nacionais portuguesas as maiores ambições a as correspondentes responsabilidades numa gestão partilhada nas áreas em que a Constituição da República e o Estatuto da Autonomia assim o determinam. O Mar é uma parte de nós e, por isso, sempre aceitámos que o valorizem mas nunca que o separem.

O Atlântico constituiu-se, durante os mandatos de Roosevelt, como um elemento central da luta pela paz na Europa e da edificação de uma aliança democrática de valores e princípios consubstanciada na Carta Atlântica de 1941.

Os Açores desempenharam um papel de relevo nesse contexto, tendo sido um fundamento indiscutível da edificação dessa aliança. Roosevelt manteve, ele próprio, com a nossa Região, uma relação de “especial simpatia”, como descreveu numa carta ao presidente do governo português de então, tendo inclusive imaginado, como todos sabem, transferir em parte, de Genebra para os Açores, a sede das Nações Unidas.

Contribuímos ao longo do tempo para o impulso à relação bilateral entre Portugal e os EUA, seja através da utilização física do espaço geográfico dos Açores, designadamente da Base das Lajes, para a instalação de capacidades militares essenciais na projeção de meios e homens para operações em outros teatros de guerra, seja pela existência de uma significativa comunidade açoriana emigrada na América do Norte.

Essa proximidade, nas suas dimensões estratégica e afetiva, deve continuar a marcar a relação entre os dois países, salientando-se a sua importância atual, no contexto açoriano, para a economia e a coesão social na ilha Terceira. Aliás, a presença militar americana na Base das Lajes é um elemento central da definição identitária da parceria luso-americana e da qualidade da cooperação dos Estados Unidos com Portugal e desta em comparação com outros países vizinhos europeus como a Espanha. Disso devem ter consciência as autoridades de ambos os países, neste momento em que se reavaliam, por iniciativa americana, aspetos integrantes do acordo de cooperação e defesa em vigor.

Disse, a propósito, há precisamente dois anos, neste mesmo Fórum, incitando a diplomacia portuguesa, que era seu dever potenciar, de forma inovadora e liderante, as vantagens competitivas portuguesas da sua geografia e da sua plataforma insular atlântica. Referia-me, em particular, às oportunidades de diversificação de funções que se proporcionavam para o uso e revalorização da Base das Lajes que não foram devidamente indagadas. Parece, agora, ainda mais emergente o trabalho conjunto com vista à reformulação desse ativo estratégico, servindo os objetivos comuns internacionais e o seu impacte local.

Somos antigos, atuais e indiscutivelmente futuros aliados, porque nos animam valores e princípios comuns, mas é evidente que a presença física do dispositivo americano nos Açores dá uma ênfase a essa aliança que de outra maneira seria, e será, menos impressiva.

O Fórum Açoriano Franklin Delano Roosevelt inaugurou já uma nova época do debate e reflexão nos Açores sobre as questões de política internacional, da história, da ciência e do conhecimento aprofundado das relações entre Portugal e os EUA e da sua inserção no contexto internacional.

Os contributos que nos chegaram dos inúmeros conferencistas que nos visitaram nas últimas duas edições suscitaram uma renovada dinâmica sobre estas matérias, que faz acrescer, entre os mais prestigiados analistas e sectores, as melhores expetativas sobre mais este acontecimento.

Desejo, pois, que, uma vez mais, este Fórum seja coroado de sucesso e que constitua um contributo proponente para a especialidade e a qualidade da relação luso-americana.

Muito obrigado por estarem connosco.”


GaCS

Sem comentários: