sábado, 17 de novembro de 2012

Intervenção do Secretário Regional da Educação, Ciência e Cultura nas IV Jornadas de Reflexão de Animação Turística


Texto integral da intervenção do Secretário Regional da Educação, Ciência e Cultura proferida hoje, em Angra do Heroísmo, no decorrer das IV Jornadas de Reflexão de Animação Turística.

"A política cultural da Região tem dado atenção, corretamente, a dois vetores estruturantes da história cultural dos Açores: a preservação e valorização do património construído e imaterial, e a promoção e dinamização da formação e da criatividade dos cidadãos, a título individual ou integrados numa rica tradição de associativismo cultural e recreativo, ela também um precioso bem do património cultural a preservar. A estes dois vetores veio juntar-se a criação de condições para a oferta de artes expositivas e do espetáculo, oriundas do exterior, com o objectivo de permitir aos açorianos o acesso a bens a que, por motivo da insularidade e da distância face aos grandes centros de decisão e de criação culturais e artísticos, dificilmente teriam acesso; este esforço de promoção de ofertas é considerável, e procurou contemplar, com reconhecido êxito, todas as ilhas da Região, designadamente na área da música e do teatro.

Em matéria de património cultural, foi dada uma atenção muito especial à inventariação, classificação, proteção, preservação e valorização do património móvel e imóvel, público ou privado, e também ao património cultural subaquático que, dadas as condições geográficas e históricas dos Açores, atinge entre nós um valor muito especial. Para além de produção legislativa e reguladora próprias em matéria de património cultural, em que a Região tem desempenhado um papel pioneiro no contexto nacional – basta ver que os únicos decretos regulamentadores, até hoje publicados, da Lei de Bases do Património Cultural, de 2001, foram-no na Região Autónoma dos Açores –, tem sido dada particular atenção ao esforço dos particulares detentores de bens classificados como integrando o património cultural regional, ou situados em áreas de protecção de bens classificados, mediante a concessão de apoios financeiros e técnicos. A preocupação com o património estendeu-se, assim, a todas as suas vertentes, e de um modo especial aos arquivos, bibliotecas e museus, à arquitectura, ao património subaquático, ao património móvel, designadamente talhas, pinturas e instrumentos musicais históricos, e ao património imaterial, como o romanceiro velho e tradicional ou a música popular e tradicional.

A promoção e a dinamização da formação e da criatividade dos cidadãos foram feitas por meio da adoção de medidas políticas concertadas destinadas a estimular a autoestima dos açorianos face à sua identidade cultural, a incentivar a leitura e a atividade cultural, a motivar a fruição de bens culturais, e a apoiar a edição e divulgação de obras de autores açorianos (escritores, músicos, artistas plásticos), ou de temática ou vocação açorianas. No seu conjunto, estas medidas possibilitaram ainda – o que se regista com muito agrado – a circulação de bens e atividades culturais por todas as ilhas, deste modo contribuindo a atividade cultural para, à medida dos meios de que dispõe, esbater aquela que tem sido, ao longo dos séculos, um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento do Arquipélago: a dupla insularidade – dos Açores face ao todo nacional, e, dentro dos Açores, das ilhas mais pequenas e isoladas face às maiores e mais desenvolvidas. Refira-se, a título de exemplo, que os habitantes de ilhas como S. Jorge, Flores ou Corvo passaram a ter acesso, com regularidade e nas suas ilhas, a espetáculos de música clássica e de teatro, e até mesmo de circo.

O desenvolvimento dos Açores passa, obrigatoriamente, pela cultura, e de um modo particular pela preservação do património, para revitalização e aproveitamento, pela produção cultural, e pela fruição de produtos e bens culturais. Este sector tem uma dimensão bastante significativa nas sociedades modernas e desenvolvidas, abrangendo áreas de produção, distribuição e comercialização que geralmente não são consideradas quando se fala de cultura: aqui entram as chamadas indústrias e atividades criativas, como o “design”, a arquitetura, a moda ou a publicidade; as indústrias culturais, como o áudio e o vídeo, a televisão e a rádio, os jogos de vídeo, a música e a edição de discos, livros, jornais e revistas; o turismo cultural; e só depois, numa dimensão muitíssimo menos representativa em termos quantitativos, as atividades culturais nucleares como as artes visuais (artesanato, pintura, escultura, fotografia), as artes do espetáculo (teatro, dança, concertos, circo, festivais), o património (museus, bibliotecas, arquivos, sítios arqueológicos, etc.), a música ou a literatura.

De acordo com um estudo encomendado pela Comissão Europeia, “A Economia Cultural da Europa”, o sector cultural e criativo contribuiu para 2,6% do PIB da União Europeia em 2003, mais do que o imobiliário e os produtos alimentares e bebidas, sendo que em Portugal este sector é mesmo o terceiro principal contribuinte para o PIB, a seguir aos produtos alimentares e bebidas: as atividades e indústrias culturais representam 1,4% do PIB nacional (valor que sobe para 3,4% na França, ou desce para 1,0% na Grécia), garantem cerca de 116.000 postos de trabalho, sendo 76.000 na cultura e 39.000 no turismo cultural – o que representa 2,3% do total de empregados no nosso país; destes trabalhadores, 71% têm entre 25 e 49 anos, o que quer dizer que é um sector predominantemente jovem. Embora tais estatísticas não considerem os Açores, isoladamente, e não sendo provável que tal situação se verifique na nossa Região – que é um mercado muito pequeno e disperso, onde é difícil concentrar a massa crítica necessária para se pensar numa economia sustentada de produtos e bens culturais –, terá que ser dada a devida atenção ao mercado cultural, incluindo o turismo.

Por outro lado, os traços mais característicos da tradição cultural açoriana – a arquitetura tradicional, civil, militar ou religiosa, a organização da propriedade agrícola, o urbanismo rural e urbano, a poesia e a música e os dançares, ou os rituais sazonais, religiosos ou civis, como as Festas do Espírito Santo – não podem nem devem ser vistos isoladamente do contexto histórico, mas sobretudo ambiental e natural, em que se desenvolveram. É aqui que a célebre frase de Vitorino Nemésio – “A geografia, para nós, vale outro tanto como a história, e não é debalde que as nossas recordações escritas inserem uns cinquenta por cento de relatos de sismos e de enchentes” – adquire o seu mais profundo significado: na prática, nos Açores, a cultura não pode ser vista isoladamente do ambiente natural. Por exemplo, a janela de guilhotina, a chaminé de cano ou a de mãos postas, ou os telhados de duas, ou de três ou de quatro águas, nas casas tradicionais das várias ilhas; a técnica de construção de muros divisórios de propriedade, ou meramente de abrigo; o ritmo das músicas e dançares tradicionais; os temas da literatura popular; a orientação das fachadas das igrejas; a malha urbana das povoações e a sua orientação; ou as técnicas de preparar os alimentos – tudo isto resulta do entendimento humano das condições naturais das ilhas, e assim da adaptação das pessoas ao meio ambiente, desde o território até às condições climáticas; e, logo, de um gesto cultural, entendendo-se a “cultura” como a transformação da “natura” por acção da inteligência e da capacidade de representação humanas.

 A cultura não pode ser vista isoladamente, mas antes como transversal a toda uma política que tenha a população por objeto e destinatário primeiro. Por isso, naquilo que aqui nos interessa, é necessário desenvolver-se uma política concertada entre a Cultura e o Ambiente, tendo em conta que estes dois sectores se encontram intimamente ligados e são interdependentes. Será, por isso, necessário elaborar-se um plano de atividades comum à Cultura e ao Ambiente, envolvendo o conhecimento, preservação e valorização do património cultural e ambiental, entendido como duas faces da mesma realidade. Por arrastamento lógico, será necessário promover-se a formação de técnicos que trabalhem, de uma maneira concertada, nestas duas dimensões do património, e incentivar a preparação e edição de guias e outros materiais de divulgação que considerem sempre o património construído na sua relação com o património natural.

 O que nos conduz ao papel que o Turismo pode desempenhar neste contexto: criar-se as sinergias necessárias para que a Cultura e o Ambiente desempenhem um papel central na política para o sector do Turismo, que deverá ter como uma das suas preocupações centrais a valorização e a divulgação do património cultural e natural dos Açores, como uma todo harmonioso e inseparável; promover a formação de guias turísticos capazes de, com o mesmo grupo, mostrar, explicar e enquadrar histórica e cientificamente tanto o património natural como o cultural, poupando-se assim recursos financeiros. E criar e promover marcas apelativas para turismo de qualidade, caro e não agressivo para o ambiente, que procure os Açores precisamente por aquilo que temos de melhor: um património cultural harmoniosamente integrado num património natural.

 Uma política assim definida terá, como resultados práticos, uma gestão equilibrada e harmoniosa do património cultural, na sua relação com o património natural; uma visão dinâmica do património cultural e natural, na perspectiva da sua rentabilização como factor de desenvolvimento; e a dinamização de um mercado cultural capaz de garantir, pelo menos em parte, a produção de bens culturais novos, e a conservação e valorização do património cultural e natural.

 E nesta matéria, o Turismo, enquanto actividade económica que permite aproveitar e rentabilizar o património cultural e natural das nossas ilhas, terá um papel fundamental."



GaCS

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