sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Intervenção do Presidente do Governo

Texto integral da intervenção do Presidente do Governo, Vasco Cordeiro, proferida hoje, em Ponta Delgada, na cerimónia de entronização como Confrade Honorário pela Confraria do Leite dos Açores:

“Foi, naturalmente, com muita honra que recebi o convite para integrar a Confraria do Leite dos Açores e é para mim motivo de orgulho estar hoje aqui, nesta cerimónia, que marca a minha pertença a esta associação.

O significado deste convite e deste ato deriva, em primeiro lugar, daquilo que a produção de leite representa na nossa sociedade, na nossa economia e na nossa Região.

Mas deriva também, e permitam-me o registo mais pessoal daquilo que, para mim, significa fazer parte de uma entidade que reconcilia a tradição com o potencial económico deste setor, que se ancora na tradição, mas que se projeta, nos seus desígnios e nos seus objetivos, na promoção e na valorização de um setor verdadeiramente essencial para os Açores.

Como é público, e nunca o escondi, é neste setor que mergulham as minhas raízes familiares.

Foi, em grande medida, este setor que me permitiu criar as condições para que fizesse o percurso que fiz e que, hoje, confluiu para que estejamos neste momento e nesta circunstância.

Reconhecê-lo, como filho de um lavrador, é, pois, para mim motivo de grande orgulho.

Como bem sabem todos os que estão nesta sala, produzir leite é o acumular de tradições, é a implementação de inovações, é a dedicação ao trabalho diário e sem descanso e é a experiência feita no terreno e, muitas vezes, passada, com orgulho, entre as gerações de famílias açorianas.

Por isso, encaro a minha pertença à Confraria do Leite dos Açores como um momento solene de grande responsabilidade pela exigência que lhe está inerente de preservar a história, as tradições e o modo de vida rural que está subjacente ao leite, bem como de promover uma “marca” que já ultrapassou as fronteiras da nossa Região.

Cada vez mais longínquos estão os tempos, e felizmente que assim é, em que à produção de leite se associava a imagem de um lavrador de carroça, de vacas amarradas pela corrente na pastagem e de ordenha manual.

Cada vez mais longe vão, também, os tempos em que à esmagadora maioria dos lavradores pouco mais interessava do que o tratar das vacas e a entrega do leite.

Sendo um dos principais motores económicos da nossa terra, a produção de leite tem o mérito de, ao longo dos últimos anos, se ter afirmado como um setor altamente especializado e profissionalizado em que, para além da labuta diária do cuidar dos animais, há todo um trabalho de gestão e de planeamento das explorações agrícolas que exige conhecimento, exige sensibilidade e exige grande profissionalismo.

Por isso, reafirmo que os lavradores Açorianos têm, na esmagadora maioria dos casos, correspondido positivamente àquilo que o setor lhes exige e àquilo que a Região deles espera.

Por outro lado, quer através de cooperativas, quer através do movimento associativo, o setor da produção de leite ganhou intervenção social, ganhou intervenção política e ganhou a capacidade de ter uma voz ativa e interventiva.

É um facto que, fruto da capacidade do movimento associativo e do movimento cooperativo, a Lavoura, no seu todo, é cada vez mais parte integrante do processo de discussão e de decisão das medidas que, aos mais variados níveis, interessam ao setor.

Refiro, em especial, o processo de formação das posições do setor, que se democratizou, resultado da ampliação da respetiva participação e dos cada vez melhores circuitos de informação e de esclarecimento que hoje fazem parte do nosso dia-a-dia.

Não tenho, por isso, qualquer dúvida em reconhecer que este processo só veio reforçar o setor e, por essa via, reforçar os Açores.

A produção de leite na nossa Região foi confrontada ao longo do tempo com desafios, os quais foram sendo ultrapassados com eficácia pelos produtores, que manifestaram sempre capacidade para, a cada momento, responder às solicitações que lhes foram colocadas.

Quando foi pedido aos produtores para produzirem mais, a resposta foi inequívoca e célere, representando hoje a produção dos Açores mais de 30 por cento de toda a produção nacional.

Quando foi solicitado que produzissem melhor, rapidamente passamos a ter o melhor leite de Portugal, imagem de marca de uma Região, com benefícios económicos que vão muito além das receitas provenientes das exportações de lacticínios.

Fruto desse dinamismo, a que também correspondeu - é importante reconhecê-lo - uma forte e decisiva aposta na modernização e no profissionalismo da indústria de lacticínios, o setor da produção de leite assume uma importância inquestionável para a nossa economia.

Assim é, não só por aquilo que dele resulta diretamente, mas também por um conjunto de efeitos indiretos que resultam dessa atividade e que, inclusive, se projetam noutros setores da nossa economia.

É o caso, desde logo, do Turismo, o qual encontra na Agricultura um parceiro promocional de grande importância, para além dessa ser a garante de parte significativa da nossa paisagem que tanto cativa quem nos visita.

É por isso que considero ser uma falsa questão a visão de antagonismo entre a Agricultura e o Turismo.

O Turismo dos Açores necessita da Agricultura dos Açores pelas vantagens que dela resultam em termos de notoriedade, de promoção contínua e de manutenção de aspetos fundamentais da imagem e da atratividade do destino turístico.

A Agricultura dos Açores necessita do Turismo dos Açores também pelo potencial de promoção que este tem para aquela, para já não falar que é no Turismo que temos a forma mais segura, mais fácil e mais rentável de exportação dos nossos produtos.

Novos desafios se perfilam, porém, no horizonte mais próximo. Permitam-me que hoje aqui refira, embora de forma breve, dois.

O primeiro tem a ver com a necessidade de, cada vez mais, ser necessário analisar em permanência a rentabilidade deste setor.

Neste juízo de rentabilidade incluo um conjunto variado de fatores, desde o estritamente económico até outros como, por exemplo, o ambiental e o da imagem de marca associada.

Quer isto dizer que, sobretudo no âmbito do novo período de programação financeira em que estamos a entrar, a componente da rentabilidade do setor deve ser constantemente analisada e, se necessário, corrigida.

Ou seja, necessitamos de, em permanência, aferir se a nossa produção, e quem diz a nossa produção, fala da produção de cada uma das explorações e da própria transformação, tem em conta que nem sempre rentabilidade é sinónimo de quantidade produzida, mesmo que com qualidade.

É cada vez mais imprescindível termos a consciência que o caminho percorrido até aqui não se compadece com a produção a qualquer custo, em quaisquer condições ou com recurso a quaisquer meios.

Alicerçámo-nos, e bem, numa produção e numa transformação que tem associada uma fortíssima imagem de qualidade e de segurança.

Esse deve ser um aspeto a salvaguardar em qualquer caso e em qualquer cenário. Nada, absolutamente nada, pode fazer perigar este importante ativo que é da Lavoura e dos Lavradores Açorianos.

E não se trata, permitam-me também que clarifique, do interesse do Governo ou daquilo que melhor serve o Governo.

Esse cuidado, essa vigilância, e a correspondente proatividade na sua garantia, servem, em primeiro lugar, o interesse direto e imediato do setor da Lavoura e a garantia de rendimentos dos seus profissionais.

Um segundo desafio de que gostaria de falar-vos é aquele que encerra a decisão comunitária de eliminar o regime de quotas leiteiras. Essa decisão constitui uma desregulação de um importante mercado com grandes assimetrias ao nível da quantidade e da qualidade do leite produzido na Europa.

Basta dizer que, em 2011, os produtores europeus entregaram 140 milhões de toneladas de leite. É este o mercado onde concorremos. Mas, se é verdade que alguns produzem muito, é também verdadeiro que muito poucos produzem com a qualidade que é comummente associada à produção leiteira Açoriana.

E é exatamente na resposta que conseguirmos dar a esta equação que estará a chave para que, nos Açores, entidades públicas e entidades privadas consigam ultrapassar com sucesso este novo desafio que se coloca a toda a fileira do leite.

Como todos bem sabem, as medidas concretas e objetivas para atenuar os efeitos do fim das quotas leiteiras não se tomam no dia seguinte ao desmantelamento desse regime.

O Governo dos Açores tem vindo, há já algum tempo, a implementar medidas que visam tornar o setor da produção de leite nos Açores mais forte e mais competitivo.

Foram significativos os investimentos efetuados na modernização das explorações agro-pecuárias açorianas, representando cerca de 80 milhões de euros de investimento entre 2007 e 2013.

Ainda ao nível da produção, o setor tem vindo a sofrer uma reestruturação tranquila, assente no ajustamento do número de produtores, no aumento significativo da quantidade média produzida por exploração e ainda numa tendência de crescimento sustentado da produção global da Região.

Um dado relevante, e que é bem demonstrativo da transformação que está a ocorrer, é o referente à produção média por exploração. Há apenas 4 anos atrás ela estava em 150 mil litros. Hoje, já estamos praticamente em 200 mil litros.

Por outro lado, temos vindo também a apoiar investimentos na indústria de transformação de laticínios, através de estruturas modernas e capazes de dar resposta ao aumento da capacidade produtiva do setor e às exigentes condições dos mercados, em termos de formatos, imagem, quantidades e qualidade.

Esta aposta levou a que, no atual período de programação 2007-2013, tivéssemos ao dispor das nossas agroindústrias cerca de 50 milhões de euros de fundos comunitários, que permitiram gerar um investimento superior a 90 milhões de euros, contribuindo assim decisivamente para a modernização do nosso setor agroindustrial.

Esta tem sido uma evolução que permite que estejamos mais preparados para o período pós desmantelamento do regime de quotas leiteiras.

Porém, após 2015, todo este trabalho só será eficaz se a Região souber fazer a alteração decisiva nesta fileira, olhando para a nossa dimensão num mercado aberto e perceber que só se conseguirá ganhar terreno se os nossos produtos forem diferentes do que fazem os outros.

De pouco nos servirá investir milhões de euros públicos e privados e, depois, fazer um produto que é também feito, indiferenciadamente, por países mais perto dos mercados e com dimensões muito superiores.

A questão do desmantelamento do regime das quotas de produção de leite tem, ainda, uma componente política e técnica muito acentuada e, neste aspeto, o nosso empenho e o nosso esforço desenvolve-se em vários níveis.

Tive recentemente a oportunidade de abordar esta matéria com a Comissão Europeia e com os meus colegas Presidentes das Regiões Ultraperiféricas, na Conferência dos Presidentes das Regiões Ultraperiféricas, realizada na ilha da Reunião em outubro.

Ciente da importância desta matéria, a declaração final desta Conferência deixou expresso, contemplando as pretensões açorianas, que o fim do regime das quotas deve ser acompanhado  de compensações aos produtores de modo a evitar perdas de rendimento e permitir, assim, adaptar o setor leiteiro açoriano ao mercado global e liberalizado que resultará da abolição de um sistema de quotas.

Do mesmo modo, na última semana, no âmbito do processo de consulta pública promovido pela Comissão Europeia sobre o Regime POSEI, tanto a contribuição do Governo dos Açores, como a contribuição da Conferência de Presidentes das Regiões Ultraperiféricas, reiteraram claramente estas preocupações, assinalando a necessidade de ter em conta os efeitos de todas as alterações regulamentares, através de disposições adequadas, análises prévias do seu impacto e mecanismos de compensação ao setor agrícola.

Estas vitórias, mesmo parecendo isoladas, fazem parte de uma estratégia e de um percurso político e fundamentado para que os Açores possam ficar melhor preparados para responder a este desafio.

Gostaria de terminar esta intervenção com um sinal de esperança baseado nos factos e na certeza que, num percurso não isento de dificuldades e de obstáculos, saberemos todos dar a resposta que os Açores necessitam a estes novos desafios.

Este sinal de confiança e de esperança é transmitido também pelo importante rejuvenescimento dos nossos ativos agrícolas, que, associado a uma melhoria relevante dos seus níveis de formação, garantem uma dinâmica impulsionadora de sucesso no futuro que se avizinha.

Até setembro, foram aprovados 168 pedidos de apoio à instalação de jovens na Agricultura nos Açores. Dos jovens com pedidos de apoio aprovados, 63 por cento têm idades compreendidas entre os 18 e os 30 anos, enquanto 37 por cento têm entre 31 e 40 anos de idade.

Entre todos os pedidos de apoio aprovados no âmbito desta medida do Programa de Desenvolvimento Rural dos Açores destinada à instalação de jovens agricultores, cerca de 67 por cento visam a instalação de jovens na área da bovinicultura leiteira.

Estes indicadores representam bem a Confiança e a Esperança que temos na nossa Agricultura, enquanto área produtiva por excelência e ainda com grande potencial de criação de riqueza e emprego nas nossas ilhas.

Saibamos nós, em parceria e conjugação de esforços e de diálogo, lançar mão de todo este potencial para bem da nossa economia e das novas gerações de Açorianos.

Muito Obrigado.”



GaCS

Sem comentários: