segunda-feira, 25 de maio de 2015

Intervenção do Presidente do Governo (Sessão solene comemorativa do Dia da Região Autónoma dos Açores)

Texto integral da intervenção do Presidente do Governo, Vasco Cordeiro, proferida hoje, nas Lajes das Flores, na sessão solene comemorativa do Dia da Região Autónoma dos Açores:

“Em boa hora decidiu o Povo Açoriano, através dos seus representantes eleitos, celebrar o Dia dos Açores na Segunda Feira do Espírito Santo.

Com efeito, assim se marca, de forma particularmente feliz, a ligação genética que existe entre um dos mais sentidos e vividos cultos que une o nosso Povo com a organização política e institucional que lhe é garantida pela nossa Autonomia.

É, assim, também por isso que as minhas primeiras palavras são, exatamente, para saudar as Açorianas e os Açorianos das nove ilhas do nosso arquipélago no dia em que, celebrando-se o Espírito Santo, se salienta um dos mais fortes vínculos que nos une como Povo e uma das traves-mestras da nossa identidade.

Uma saudação fraterna e amiga também para todos os Açorianos que se encontram espalhados pelo mundo, seja no continente português, nas Américas do Norte e do Sul ou em qualquer outra parte.

A vontade ou o destino levaram a que procurassem o seu futuro noutras paragens.

Acredito que o sentimento e a afeição levam a que hoje também possam comungar, com saudade e com orgulho, das nossas celebrações como Povo e como Região.

Nas nossas Comunidades, temos um dos ativos mais valiosos para a nossa afirmação como Região, na medida em que, cada vez mais, e como ainda recentemente foi demonstrado no processo relativo à Base das Lajes, são essas comunidades que, muitas vezes, fazem a diferença, para nós e para o País, na abertura de canais de diálogo e na concretização de meios privilegiados de sensibilização para a defesa dos nossos interesses.

Um cumprimento amigo ainda para todos os imigrantes que, de tantos países, escolheram os Açores para viver, contribuindo com o seu esforço para o progresso desta Região, para a sua diversidade e abertura ao mundo.

Uma palavra de saudação e de homenagem ao Povo das Lajes das Flores, em particular, e ao Povo da ilha das Flores, em geral, nossos anfitriões nestas comemorações de Açorianidade e de Autonomia.

Por opção consciente e informada, as celebrações do Dia dos Açores têm lugar neste concelho mais ocidental da Europa no ano em que se comemoram os cinco séculos da sua elevação a concelho.

Esta é uma das formas pelas quais, ao conjugar-se o simbolismo das duas comemorações, se manifesta e se releva a relação entre a antiguidade da presença nestas ilhas e a juventude da nossa Autonomia, enquanto manifestação política e organicamente estruturada do Povo Açoriano.

Neste dia em que celebramos a nossa identidade, quero também dirigir uma saudação particular às individualidades e entidades que hoje são agraciadas com as Insígnias Honoríficas Açorianas.

A homenagem que vos é feita encerra em si mesma um duplo significado: é, não só um ato de reconhecimento pelos vossos percursos profissionais ou cívicos e pelos vossos contributos para a comunidade Açoriana, como também, por esse facto, vos identifica como inspiração e como exemplo no que o vosso percurso encerra de dedicação, de profissionalismo, de busca da excelência.

A celebração do Dia da Região Autónoma dos Açores constitui um bom momento não só para uma reflexão sobre o caminho que temos trilhado mas, também, sobre os desafios que temos à nossa frente e para os quais nos temos de mobilizar como Região e como Povo.

Os anos mais recentes foram, na verdade, particularmente difíceis, particularmente exigentes, particularmente desafiantes, quer para os cidadãos, quer para as instituições públicas, quer para as empresas.

A uma conjuntura adversa do ponto de vista internacional, juntaram-se opções políticas nacionais que procuram agora, no mito político da sua inevitabilidade, a justificação que os seus devastadores efeitos económicos e sociais muito dificilmente lhes poderão garantir.

Entre a agenda ideológica de alguns, a neutralidade colaborante de outros e, ainda, a inércia de outros, o nosso país foi arrastado para uma situação em que voltaram a surgir, com gravidade, chagas sociais como o desemprego, a pobreza, a fome e uma fragilidade gritante, sobretudo ao nível dos setores mais vulneráveis da sociedade.

Nessa conjuntura e nessa tormenta, era inevitável que os Açores também acabassem por sofrer e ser afetados, nuns casos diretamente, noutros indiretamente, por essa envolvência e pela abrangência nacional das opções políticas que foram tomadas.

Mas, se é certo que os Açores não foram um oásis no meio dessa tormenta e que, também nas nossas ilhas, vivemos as aflições e as angústias dos desempregados, dos empresários, dos pensionistas e reformados, a verdade é que, até ao limite das nossas competências e até ao limite dos nossos recursos, trilhámos um caminho próprio, seguindo uma Via Açoriana no atravessar dessa tormenta.

Perante uma consciente opção política da República de degradar o rendimento do trabalho dos funcionários públicos, foi, e é, a nossa Autonomia que permite, através da remuneração complementar, acudir a essa situação e defender os funcionários públicos dos Açores.

Confrontados com uma consciente opção política da República de degradar as pensões de reformados, foi, e é, a nossa Autonomia que permite, por exemplo, através do Complemento Regional de Pensão ou do Complemento para a Aquisição de Medicamentos pelos Idosos, acudir aos pensionistas e aos reformados Açorianos, sobretudo os que se encontram numa situação de maior vulnerabilidade.

Face a uma premeditada opção política da República de descarregar sobre as famílias o peso de uma solução ideológica para o desequilíbrio das finanças públicas, foi, e é, a Autonomia que permite, por exemplo, através do Complemento Regional do Abono de Família para Crianças e Jovens, acudir às famílias açorianas.

Perante uma consciente opção política da República de aumentar a carga fiscal sobre as famílias e as empresas, foi, e é, a nossa Autonomia que garante aos Açorianos o quadro fiscal mais baixo do país, quer ao nível dos impostos sobre o rendimento, quer ao nível do imposto sobre o valor acrescentado.

Em suma, face a uma situação em que, de forma consciente e premeditada, a República seguiu um caminho de aumento de impostos, de redução de apoios sociais e de corte na despesa do Estado, foi, e é, a nossa Autonomia que garante, apenas no ano de 2015, mais cerca de 250 milhões de euros de apoios e benefícios às famílias e empresas Açorianas do que elas teriam se vivessem, ou estivessem sedeadas, na Região Autónoma da Madeira ou no Continente.

E tudo isto foi feito, importa salientá-lo, mantendo uma gestão rigorosa das finanças públicas regionais açorianas, o que permite, quer no que respeita ao défice, quer no que respeita à dívida pública, que eles sejam os mais baixos do País.

Tomando como referência o ano de 2014, os dados oficiais indicam que o défice da Região Autónoma dos Açores é de 0,1% do nosso Produto Interno Bruto e que a dívida pública representa apenas 35% do mesmo PIB.

Os Açores seguiram, assim, e todos esses dados o comprovam, um caminho próprio, um rumo definido pelos Açorianos, uma Via Açoriana que, para além do significado político valorizador da nossa Autonomia e do nosso sistema de autogoverno, tem também uma consequência política externa à Região de não menor importância.

Nesse contexto, com as decisões e com os resultados que acabo de referir, a Autonomia Açoriana desmentiu dois mitos políticos dos tempos modernos: o primeiro, o da inevitabilidade das opções políticas que foram seguidas a nível nacional; o segundo, o da incompatibilidade entre finanças públicas saudáveis e bem geridas e uma política pública que, pura e simplesmente, assuma as suas responsabilidades no que respeita aos apoios às famílias e às empresas.

A Autonomia Açoriana demonstrou, pois, e demonstra ainda hoje, que não é assim. Que não tem de ser assim.

Hoje, quando cada vez mais e de forma cada vez mais significativa surgem os indicadores de que começamos a sair deste período de tormenta, interessa ter presente que ainda não está concluída a nossa tarefa.

Com efeito, se é certo que, segundo as informações do Instituto Nacional de Estatística, alcançamos no primeiro trimestre do corrente ano o valor mais baixo de taxa de desemprego desde que este Governo está em funções, ou que, segundo os dados oficiais, atingimos em abril o valor mais baixo dos últimos 27 meses de inscritos nas Agências de Emprego, o facto é que ainda há Açorianas e Açorianos que procuram trabalho e que devemos continuar a trabalhar para lhes dar resposta.

Se é verdade que os indicadores do Turismo desde novembro do ano passado têm vindo a subir, quer em termos de dormidas, quer em termos de proveitos, isto deve ser motivo, não para pensarmos que está tudo feito, mas como incentivo a continuarmos o trabalho que temos realizado, sobretudo agora que está já a produzir efeito o novo modelo de acessibilidades aéreas à nossa Região.

Mas com todos estes indicadores de recuperação e de retoma da confiança e da esperança no caminho que estamos a seguir e nos resultados que ele pode produzir, é importante lembrarmo-nos que o sucesso da nossa Autonomia, também nesse domínio, se mede pela nossa capacidade de fazer estender esses bons indicadores a todas as nove ilhas da nossa Região.

E é por isso que, apesar da crescente acalmia, continua a ser necessária mão firme no leme e manter o rumo traçado para benefício da nossa Região e do nosso Povo.

Fizeram-nos entrar nessa tormenta como Povo, atravessámo-la testando a nossa resiliência como Povo e, pelo valor da solidariedade, havemos dela sair também como Povo.

No próximo ano passam 40 anos sobre a data em que a autonomia político-administrativa foi consagrada pela Constituição da República Portuguesa, bem como sobre a data das primeiras eleições legislativas regionais e as datas de tomada de posse da I Legislatura e do I Governo regionais dos Açores.

Passadas estas quatro décadas, podemos considerar, sem margem para dúvidas, que o balanço é claramente positivo.

Positivo no plano do progresso e desenvolvimento materiais que a Autonomia permitiu às nove ilhas dos Açores, positivo, também, na forma democraticamente madura e viva como a temos vivido nas nossas ilhas.

Mas o facto de fazermos esse balanço positivo não significa que ignoremos os aspetos em que a mesma necessita de aperfeiçoamentos ou de melhorias de forma a que melhor possa corresponder aos seus fundamentos ou cumprir melhor os seus objetivos.

Parece-nos que é tempo de dar o passo seguinte em matéria de Autonomia.

E esse passo deve alicerçar-se no facto de a nossa Autonomia não poder ser vista apenas como um instrumento para a conquista de bem-estar material para o nosso Povo, mas deve ser igualmente considerada, desde logo porque esse é um dos objetivos que constitucionalmente lhe está fixado, como, entre outros, um meio para o reforço da participação democrática dos cidadãos.

Esse é, também, um dever que deve ser cumprido pela nossa Autonomia. O dever de buscar e construir soluções e práticas inovadoras que revitalizem a nossa Democracia.

Como cidadãos, temos o dever cívico e democrático de abraçar esse desafio.

Como Açorianos, temos a responsabilidade histórica de reformar, de transformar e de contribuir para dar um novo impulso à nossa vivência democrática.

Precisamos de nos empenhar a todos na construção de soluções que reforcem o envolvimento dos Açorianos nas decisões da sua vida coletiva e democrática e que os façam sentir, cada vez mais, como parte integrante e integrada da nossa Autonomia.

Precisamos de desbravar novos caminhos que entrecruzem as soluções de aproximação entre os eleitos e eleitores, com soluções de mobilização para o exercício e o escrutínio democrático, soluções de responsabilização individual mas, também, de maior e mais diversa responsabilização coletiva, de melhor organização dos processos de decisão e de organização nas, e das, nossas ilhas.

Julgo, sobretudo, que a Autonomia, após 40 anos de vivência, deve agora aprofundar a sua natureza política e a sua capacidade de dar resposta a estes desafios políticos, não descurando, é certo, a necessidade de continuar a curar e a trabalhar para garantir soluções satisfatórias ao nosso processo de desenvolvimento económico e social.

E, se é certo que esse é um caminho que não deve ser feito à pressa, o mesmo deve ser o mais amplamente debatido e analisado para que cada interveniente, incluindo os partidos políticos, possa apresentar e submeter as suas propostas aos Açorianos, por exemplo, no âmbito das próximas eleições legislativas regionais de 2016.

E nesse processo de melhoria e de aprofundamento do sentido democrático da nossa Autonomia, como Presidente do Governo, considero ser meu dever também participar e contribuir para o debate e para a reflexão desta temática.

É esse o sentido e o objetivo de três propostas que aqui coloco a debate, versando uma sobre a composição da nossa Assembleia, outra sobre a nossa forma de organização administrativa e a última sobre o enquadramento e figurino constitucional da nossa Autonomia.

Indo à primeira, se é certo que muito se tem discutido sobre a aproximação entre eleitos e eleitores e sobre a qualidade da nossa democracia, julgo ser tempo de se analisar e debater a possibilidade de candidaturas subscritas por listas de cidadãos independentes à Assembleia Legislativa da Região, bem como a consagração de um sistema de listas abertas.

Neste caso, para além de votar no partido político, o eleitor ordena os candidatos da lista de acordo com a sua preferência.

A segunda proposta centra-se na nossa organização administrativa tomando a realidade ilha como critério dessa organização, sobretudo nas ilhas com mais do que um município.  

Com efeito, com base num órgão já existente, o Conselho de Ilha, considero que o desafio que a esse nível existe não é o de aumentar ou diminuir o número de instituições que nele estão representadas, mas sim uma abordagem mais profunda, mais estrutural e mais ambiciosa à sua existência e ao seu funcionamento.

Assim, considero que é útil que se debata a possibilidade desses passarem a ser órgãos com competências executivas resultantes, por um lado, de um processo de transferência de competências de municípios da ilha e, por outro lado, de delegação de competências regionais.

Condição para esse novo figurino é que os mesmos passem a ser órgãos dotados de legitimidade democrática resultante de eleições, a sua implementação dependa, pelo menos numa primeira fase de uma opção a tomar pelos municípios envolvidos e que não se traduzam num aumento de órgãos políticos ou num aumento de burocracia institucional.

Por último, a proposta relativa ao enquadramento e figurino constitucional da nossa Autonomia.

40 anos passados, não há, nem razões, nem justificações para que se mantenham soluções organizativas que parecem dever mais a desconfianças ou receios sobre a Autonomia do que à confiança que os seus objetivos e os seus fundamentos nunca puseram em causa.

É, pois, tempo de refletir e debater sobre a extinção do cargo de Representante da República, instituição que, neste momento, com um núcleo competencial como descrito na Constituição da República, está reduzido a tarefas de representação, de promulgação de diplomas regionais e de suscitar a fiscalização da constitucionalidade e legalidade dos mesmos, e que detém ainda, incompreensivelmente, competências de veto político para as quais não detém a imprescindível legitimidade democrática.

Nesse processo de extinção dessa figura institucional, - relembrando Dinis Moreira da Mota, poderíamos dizer processo de “emancipação de tutelas desnecessárias” -, é igualmente de ponderar que o seu acervo competencial deva ser afeto a soluções organizativas de raiz regional, criadas ou a criar.

Essas são propostas arrojadas e ambiciosas e que implicam, necessariamente, a revisão da Constituição da República e de várias leis.

Mas antes de aí chegarmos há um imprescindível debate interno, dentro da nossa Autonomia, a favor da nossa Autonomia, que pode e deve ter lugar em benefício de termos um cada vez melhor sistema de representação e de organização política do Povo Açoriano.

Seja pelos resultados materiais que continua a produzir em benefício das Açorianas e dos Açorianos, seja pelo potencial que encerra de reforçar a nossa vivência democrática, a Autonomia Açoriana está viva e tem ainda muito a dar em prol da nossa terra e da nossa gente.

Ter consciência desse potencial e defender esse que é um dos bens mais valiosos do Povo Açoriano é a melhor forma de homenagearmos os que nos antecederam e de prepararmos o legado para as gerações vindouras.

E é conscientes disso que podemos dizer, com esperança e confiança: Vivam os Açores!” 

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